17 de set. de 2009

AS MULHERES FARROUPILHAS

Quando pensamos na Revolução Farroupilha logo lembramos dos "heróis", os homens que lutaram durante dez anos na Revolução.
Acabamos deixando de lado, ou dando menos importância às mulheres - com exceção de Anita Garibaldi - que tiveram um papel muito importante durante esta Revolução.
Hilda Hübner Flores cita no livro "Mulheres Farroupilhas" quatro mulheres que merecem destaque na história.

MARIA JOSEFA BARRETO PEREIRA PINTO
* Nasceu em Rio Pardo, entre 1786/88. Poeta, escritora e professora, única mulher jornalista na década de 1830, certamente a primeira no Brasil.
* Filha de Ana Mathildes da Silveira, mulher pobre que a colocou na soleira porta da residência de Teodózio Rodrigues de Carvalho, tio do primeiro bispo da Província, D. Feliciano Prates, e de Josefa Joaquina da Conceição.
* 17/12/1800 - casou com o carcereiro Manoel Ignácio Barreto Pereira Pinto, em Rio Pardo, onde nasceu José Joaquim Barreto. Engrácia nasceu em Porto Alegre, para onde o casal se mudara quando o marido passou a carcereiro da prisão, localizada na Rua da Cadeia (proximidades da atual Av. Senador Salgado Filho).
* Manoel Ignácio, após dar fuga a um preso, para não ser punido sumiu para sempre, abandonando Maria Josefa com dois filhos por criar.
*Viúva incerta, não se deixou abater e fundou uma escola mista, coisa rara, pois as poucas escolas existentes eram para meninos. Ficava em sua casa, na Rua Santa Catarina, atual Dr. Flores, em um prédio recuado, defronte à cadeia.
* Antônio Alves Pereira Coruja foi seu aluno, entre 1811-12, tornando-se mais tarde famoso, como autor da primeira gramática portuguesa e professor que aprendeu na Corte o método Lancaster, de alfabetização em grupo, mas não pode aplicá-lo entre nós, pois a Escola Normal de Porto Alegre planejada para a década de 1830, só nasceu em 1869.
* A filha Engrácia faleceu aos 10 anos de idade (1814), de "ferimentos na garganta" e José Joaquim aos 26 anos de idade (1828).
* Maria Josefa perdeu o pai adotivo em 1833. Liberta dos cuidados com sua saúde e com os recursos herdados, em novembro daquelev ano abriu "Belona irada contra os Sectários de Momo", seminário literário e de contestação aos farroupilhas, inserido na explosão de jornais surgidos desde seu advento, a alimentar as divergências do governo com as ideias liberais deles.
* Na mesma época, colaborou no jornal "A Idade de Ouro", de Manoel dos Passos Figueirôa, importante homem de imprensa do período farroupilha.
* Belona chegou a seu 10º número, em 27/01/1834. Maria Josefa faleceu a 09/01/1837.
* Pelo inventário sabe-se que a jornalista possuia algumas panelas de ferro, que ela própria deve ter manejado, pois não deixou escravas. A mesa de cortar costuras reforçava o orçamento da mestra; a bomba de prata aponta para o hábito do chimarrão.
* Quando faleceu a jornalista-professora (1837), Porto Alegre estava cercada pelos farroupilhas, tendo obrigado as intelectuais a buscar exílio no RJ, deixando a Província órfã de suas literatas. Na guerra, não houve espaço para a cultura. Do jornal Belona, infelizmente, não sobrou exemplar.

DELFINA BENIGNA DA CUNHA
* Nasceu em São José do Norte, em 1º/09/1791. Ficou cega aos 2o meses, devido a uma epidemia de varíola.
* A cegueira aguçou sua sensibilidade literária, levando-a a a escrever desde os 12 anos, poesias por vezes profundamente impregnadas de sua desdita.
* 1826 - Faleceu seu pai, Capitão Joaquim Francisco da Cunha Sá e Menezes. Delfina viajou para o RJ, pedindo auxílio ao Imperador. D. Pedro concedeu-lhe pensão pelos bons serviços de guerra de seu finado pai, e Delfina, agradecida, desde então passou a cantar em versos as efemérides da família real.
* 1834 - o seu livro "Poesias oferecidas às senhoras rio-grandenses", inserido na exposão jornalístico-literária do advento da Revolução Farroupilha, transborda em tristeza e melancolia, refletindo seu interior sentimental e dolorido.
* Coerente com a pensão imperial, mantida por D. Pedro II, Delfina manifesta gratidão ao sustentar corajosamente posicionamento legalista. Asilada na Corte, seu livro Poesias teve reedição em 1838, e nele renega o chefe maior dos rebeldes, Bento Gonçalves da Silva:
A ti que de um punhal violento
Cravaste na pátria aflita,
A ti a quem sempre irrita
Da virtude o luzimento
A ti que dás o tormento
Dessas infernais moradas,
Que tens feito desgraçadas
A mil famílias de bem,
Do alto céu como ninguém
Maldições te sejam dadas.
Chovam sobre ti os raios
Da Divina Providência
E seja tua existência
Passada em frios desmaios;
Nos mais cruentos ensaios
Sempre estejas engolfado,
Por querer do ímpio fado.
Todos os males te assaltam
Até que os alentos te faltam
Bento infeliz, desvairado.
Recuse a terra ensopada
Em sangue, por ti, perjuro,
Dar a esse corpo impuro
Uma obscura morada;
Toda a gente horrorizada
Nem ousará nomear-te
Ficando infeliz dest´arte
Teu nome sem fama e glória
E de execrável memória
No Brasil, e em toda a parte.
Até mesmo, os filhos teus
O seu opróbrio chorando,
Te irão amaldiçoando
Entre os ais e os prantos seus;
Verás contra ti um Deus
Por teus crimes irritado;
Como seguiste, malvado,
Dos ímpios todos os trilhos,
Até por teus próprios filhos
Será teu nome odiado (Cesar, 1971, 99-100).
* Apesar da limitação física, Delfina soube impor sua obra, mesmo em período adverso como a guerra, na qual se inseriu com versos de contestação. Explorando temas como o amor, amizade, morte, Delfina, fez a transição do arcadismo para o romantismo, que no RS vai de 1834, ano em que lançou seu livro, a 1856, coincidindo praticamente com sua morte. Enferma, faleceu em 1857.
* Delfina é patrona da cadeira nº1 da Academia Literária Feminina do RS, idealizada por Lydia Moschetti, que entre as dezenas de obras assistenciais de sua autoria, fundou em Porto Alegre o Instituto S. Luzia, hoje no Bairro Cavalhada, e o Hospital Banco de Olhos, na Vila Ipiranga, ambos para atendimento a cegos ou portadores de problemas visuais.

NÍSIA FLORESTA BRASILEIRA AUGUSTA
* Nordestina, residiu em Porto Alegre de 1833 a 1837. Por seus ideais liberais, abolicionistas e republicanos, comungava com os farroupilhas, embora lhes rejeitasse atos de destruição e morte no decorrer da guerra. Professora por quatro anos, no sul, levou experiência válida para a sequência de sua laboriosa vida.
* Nasceu em 12/12/1810, em Papari, hoje município Nísia Floresta, limítrofe a Natal, e faleceu em ruão, França, a 24/04/1885. filha do advogado português Dionísio gonçalves Pinto Lisboa e de Antônia Clara Freire, teve duas irmãs e um irmão.
* Casou adolescente e após meio ano retornou à casa paterna. Com o pai, engajada na política e partícipe da Revolução Pernambucana de 1824, peregrinou em fuga, por diversas localidades do Nordeste. Em 1828 ele foi assassinado.
* Aos 22 anos lançou "Direitos das mulheres e injustiças do homens", em Natal, tradução da feminista inglesa Wollstonecraft, adaptada para a realidade brasileira. Nela reivindica direito de estudo para a mulher, que tem aptidão igual ao homem para estudo e trabalho, rejeitando a teoria em voga de que o homem é mais inteligente que a mulher por ter a caixa craniana maior.
* 1833 - Muda-se com o marido (Manoel Augusto Faria Rocha) e a filha (Lívia) para Porto Alegre, a convite do cunhado, promotor público. Nesse ano nasceu Augusto, e em agosto morreu o marido, de uma constipação. No mesmo ano, sob o nome literário de Nísia (diminutivo do nome paterno) Floresta (seu sítio natal) Brasileira (homenagem à pátria) Augusta (homenagem ao segundo esposo), veio à tona a segunda edição de "Direitos das mulheres e injustiças dos homens", 56 páginas com ideias avançadas sobre a posição da mulher. Os jornais silenciaram a respeito da edição: era perigoso ter mulher culta e contestadora, melhor ignorá-la.
* Para sustentar os filhos, Nísia abriu escola para meninas, que funcionou de 1834-37 na hoje Rua andrade Neves, em Porto Alegre. Frequentou-a, acompanhando a irmã, o futuro Marechal José Antônio Corrêa da Câmara, a quem se deve a transcrição da poesia "Máximas e Pensamentos", uma criação de Nísia que serviu de manual de orientação e como exercício de caligrafia e ortografia, dando origem mais tarde, no Rio, a "Conselhos à minha filha", adotado em sala de aula;
De manhã despertando, ao céu levanta
Teu espírito, ó filha assim farás,
Que sobre ti Deus vele, pois não sabes
Se à terra antes da noite volverás!
Foge do mal, segue o bem, filha querida
Em paz ditosa passarás a vida!

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