Quando pensamos na Revolução Farroupilha logo lembramos dos "heróis", os homens que lutaram durante dez anos na Revolução.
Acabamos deixando de lado, ou dando menos importância às mulheres - com exceção de Anita Garibaldi - que tiveram um papel muito importante durante esta Revolução.
Hilda Hübner Flores cita no livro "Mulheres Farroupilhas" quatro mulheres que merecem destaque na história.
MARIA JOSEFA BARRETO PEREIRA PINTO
* Nasceu em Rio Pardo, entre 1786/88. Poeta, escritora e professora, única mulher jornalista na década de 1830, certamente a primeira no Brasil.
* Filha de Ana Mathildes da Silveira, mulher pobre que a colocou na soleira porta da residência de Teodózio Rodrigues de Carvalho, tio do primeiro bispo da Província, D. Feliciano Prates, e de Josefa Joaquina da Conceição.
* 17/12/1800 - casou com o carcereiro Manoel Ignácio Barreto Pereira Pinto, em Rio Pardo, onde nasceu José Joaquim Barreto. Engrácia nasceu em Porto Alegre, para onde o casal se mudara quando o marido passou a carcereiro da prisão, localizada na Rua da Cadeia (proximidades da atual Av. Senador Salgado Filho).
* Manoel Ignácio, após dar fuga a um preso, para não ser punido sumiu para sempre, abandonando Maria Josefa com dois filhos por criar.
*Viúva incerta, não se deixou abater e fundou uma escola mista, coisa rara, pois as poucas escolas existentes eram para meninos. Ficava em sua casa, na Rua Santa Catarina, atual Dr. Flores, em um prédio recuado, defronte à cadeia.
* Antônio Alves Pereira Coruja foi seu aluno, entre 1811-12, tornando-se mais tarde famoso, como autor da primeira gramática portuguesa e professor que aprendeu na Corte o método Lancaster, de alfabetização em grupo, mas não pode aplicá-lo entre nós, pois a Escola Normal de Porto Alegre planejada para a década de 1830, só nasceu em 1869.
* A filha Engrácia faleceu aos 10 anos de idade (1814), de "ferimentos na garganta" e José Joaquim aos 26 anos de idade (1828).
* Maria Josefa perdeu o pai adotivo em 1833. Liberta dos cuidados com sua saúde e com os recursos herdados, em novembro daquelev ano abriu "Belona irada contra os Sectários de Momo", seminário literário e de contestação aos farroupilhas, inserido na explosão de jornais surgidos desde seu advento, a alimentar as divergências do governo com as ideias liberais deles.
* Na mesma época, colaborou no jornal "A Idade de Ouro", de Manoel dos Passos Figueirôa, importante homem de imprensa do período farroupilha.
* Belona chegou a seu 10º número, em 27/01/1834. Maria Josefa faleceu a 09/01/1837.
* Pelo inventário sabe-se que a jornalista possuia algumas panelas de ferro, que ela própria deve ter manejado, pois não deixou escravas. A mesa de cortar costuras reforçava o orçamento da mestra; a bomba de prata aponta para o hábito do chimarrão.
* Quando faleceu a jornalista-professora (1837), Porto Alegre estava cercada pelos farroupilhas, tendo obrigado as intelectuais a buscar exílio no RJ, deixando a Província órfã de suas literatas. Na guerra, não houve espaço para a cultura. Do jornal Belona, infelizmente, não sobrou exemplar.
DELFINA BENIGNA DA CUNHA
* Nasceu em São José do Norte, em 1º/09/1791. Ficou cega aos 2o meses, devido a uma epidemia de varíola.
* A cegueira aguçou sua sensibilidade literária, levando-a a a escrever desde os 12 anos, poesias por vezes profundamente impregnadas de sua desdita.
* 1826 - Faleceu seu pai, Capitão Joaquim Francisco da Cunha Sá e Menezes. Delfina viajou para o RJ, pedindo auxílio ao Imperador. D. Pedro concedeu-lhe pensão pelos bons serviços de guerra de seu finado pai, e Delfina, agradecida, desde então passou a cantar em versos as efemérides da família real.
* 1834 - o seu livro "Poesias oferecidas às senhoras rio-grandenses", inserido na exposão jornalístico-literária do advento da Revolução Farroupilha, transborda em tristeza e melancolia, refletindo seu interior sentimental e dolorido.
* Coerente com a pensão imperial, mantida por D. Pedro II, Delfina manifesta gratidão ao sustentar corajosamente posicionamento legalista. Asilada na Corte, seu livro Poesias teve reedição em 1838, e nele renega o chefe maior dos rebeldes, Bento Gonçalves da Silva:
A ti que de um punhal violento
Cravaste na pátria aflita,
A ti a quem sempre irrita
Da virtude o luzimento
A ti que dás o tormento
Dessas infernais moradas,
Que tens feito desgraçadas
A mil famílias de bem,
Do alto céu como ninguém
Maldições te sejam dadas.
Chovam sobre ti os raios
Da Divina Providência
E seja tua existência
Passada em frios desmaios;
Nos mais cruentos ensaios
Sempre estejas engolfado,
Por querer do ímpio fado.
Todos os males te assaltam
Até que os alentos te faltam
Bento infeliz, desvairado.
Recuse a terra ensopada
Em sangue, por ti, perjuro,
Dar a esse corpo impuro
Uma obscura morada;
Toda a gente horrorizada
Nem ousará nomear-te
Ficando infeliz dest´arte
Teu nome sem fama e glória
E de execrável memória
No Brasil, e em toda a parte.
Até mesmo, os filhos teus
O seu opróbrio chorando,
Te irão amaldiçoando
Entre os ais e os prantos seus;
Verás contra ti um Deus
Por teus crimes irritado;
Como seguiste, malvado,
Dos ímpios todos os trilhos,
Até por teus próprios filhos
Será teu nome odiado (Cesar, 1971, 99-100).
* Apesar da limitação física, Delfina soube impor sua obra, mesmo em período adverso como a guerra, na qual se inseriu com versos de contestação. Explorando temas como o amor, amizade, morte, Delfina, fez a transição do arcadismo para o romantismo, que no RS vai de 1834, ano em que lançou seu livro, a 1856, coincidindo praticamente com sua morte. Enferma, faleceu em 1857.
* Delfina é patrona da cadeira nº1 da Academia Literária Feminina do RS, idealizada por Lydia Moschetti, que entre as dezenas de obras assistenciais de sua autoria, fundou em Porto Alegre o Instituto S. Luzia, hoje no Bairro Cavalhada, e o Hospital Banco de Olhos, na Vila Ipiranga, ambos para atendimento a cegos ou portadores de problemas visuais.
NÍSIA FLORESTA BRASILEIRA AUGUSTA
* Nordestina, residiu em Porto Alegre de 1833 a 1837. Por seus ideais liberais, abolicionistas e republicanos, comungava com os farroupilhas, embora lhes rejeitasse atos de destruição e morte no decorrer da guerra. Professora por quatro anos, no sul, levou experiência válida para a sequência de sua laboriosa vida.
* Nasceu em 12/12/1810, em Papari, hoje município Nísia Floresta, limítrofe a Natal, e faleceu em ruão, França, a 24/04/1885. filha do advogado português Dionísio gonçalves Pinto Lisboa e de Antônia Clara Freire, teve duas irmãs e um irmão.
* Casou adolescente e após meio ano retornou à casa paterna. Com o pai, engajada na política e partícipe da Revolução Pernambucana de 1824, peregrinou em fuga, por diversas localidades do Nordeste. Em 1828 ele foi assassinado.
* Aos 22 anos lançou "Direitos das mulheres e injustiças do homens", em Natal, tradução da feminista inglesa Wollstonecraft, adaptada para a realidade brasileira. Nela reivindica direito de estudo para a mulher, que tem aptidão igual ao homem para estudo e trabalho, rejeitando a teoria em voga de que o homem é mais inteligente que a mulher por ter a caixa craniana maior.
* 1833 - Muda-se com o marido (Manoel Augusto Faria Rocha) e a filha (Lívia) para Porto Alegre, a convite do cunhado, promotor público. Nesse ano nasceu Augusto, e em agosto morreu o marido, de uma constipação. No mesmo ano, sob o nome literário de Nísia (diminutivo do nome paterno) Floresta (seu sítio natal) Brasileira (homenagem à pátria) Augusta (homenagem ao segundo esposo), veio à tona a segunda edição de "Direitos das mulheres e injustiças dos homens", 56 páginas com ideias avançadas sobre a posição da mulher. Os jornais silenciaram a respeito da edição: era perigoso ter mulher culta e contestadora, melhor ignorá-la.
* Para sustentar os filhos, Nísia abriu escola para meninas, que funcionou de 1834-37 na hoje Rua andrade Neves, em Porto Alegre. Frequentou-a, acompanhando a irmã, o futuro Marechal José Antônio Corrêa da Câmara, a quem se deve a transcrição da poesia "Máximas e Pensamentos", uma criação de Nísia que serviu de manual de orientação e como exercício de caligrafia e ortografia, dando origem mais tarde, no Rio, a "Conselhos à minha filha", adotado em sala de aula;
De manhã despertando, ao céu levanta
Teu espírito, ó filha assim farás,
Que sobre ti Deus vele, pois não sabes
Se à terra antes da noite volverás!
Foge do mal, segue o bem, filha querida
Em paz ditosa passarás a vida!
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