PEDRO ÁLVARES CABRAL
⏳ Os dizeres gravados na lápide de Pedro Álvares Cabral não permitem suspeitar que naquele túmulo repousa um homem de muitas glórias. Pelo contrário. A inscrição é totalmente dedicada a sua mulher, dona Isabel de Castro, camareira-mor da infanta dona Maria. Sobre a "descoberta" do Brasil, proeza que garantiria ao navegador português um lugar na História, não há uma só palavra.
⏳ A lápide representou o ponto culminante do obscurecimento a que Cabral foi submetido em vida. E o principal responsável por esse processo foi ele mesmo. Orgulhoso, irascível e brigão, o "descobridor" do Brasil desentendeu-se com todo mundo que importava na Lisboa do seu tempo e acabou banido da corte. Foi um fim melancólico para alguém que, por seus próprios meios, tornar-se um dos homens mais poderosos do reino.
⏳ Cabral nasceu por volta de 1468, batizado como Pedro Álvares de Gouveia. Só foi receber o sobrenome paterno perto dos 35 anos, quando o irmão mais velho morreu. Na época, apenas o primogênito tinha esse privilégio - e Pedro era o segundo filho. Ele herdou da família, porém, uma tradição de heroísmo na expansão lusitana: seus antepassados haviam lutado em Aljubarrota, Ceuta, Tânger e Alcácer. Cabral iria muito mais longe. Mas seria também a tampa sobre o esquife do clã.
⏳ Criado na corte de Afonso V, ele era um homem culto e habilidoso no manejo das armas. Com 17 anos, teria lutado no Marrocos, onde contraiu malária. As febres crônicas são apontadas como a causa das suas famosas crises de mau humor. Foi esse jovem de 33 anos e 1m90cm (era um dos homens mais altos de Portugal) que o rei dom Manuel decidiu colocar em 1500 no comando da maior armada já construída por Portugal - 13 embarcações tripuladas por 1,5 mil homens. O objetivo era seguir o caminho para as Índias, recém-descoberto por Vasco da Gama, e voltar com os navios abarrotados de especiarias.
⏳ Afastando-se da costa africana mais do que o usual, o navegador acabou avistando o litoral brasileiro em 22/04/1500. Na terra recém-descoberta, viveu dias idílicos: participou de danças, brincadeiras e troca de presentes com os indígenas. Dias depois, pôs-se novamente ao mar. Em setembro, bombardeava Calicute, grande empório de mercadorias do Oriente. No ano seguinte, com apenas 6 das embarcações que levara, era recebido com festa em Lisboa.
⏳ O prestígio de Cabral estava em alta. Na sua ausência, uma nova armada vinda sendo preparada e o teria como capitão. O responsável por organizá-la, porém, era seu adversário nos bastidores das navegações, Vasco da Gama. Gama resolveu colocar o tio, Vicente Sodré, no comando de 5 dos 14 navios. O "descobridor" do Brasil entendeu a divisão da chefia como um rebaixamento e não aceitou. A rebeldia irritou o rei, e Cabral caiu em desgraça. Desiludido, exilou-se em Santarém. Tentou reaproximações com a corte, mas dom Manuel jamais perdoou.
⏳ Cabral morreu em 1520, esquecido e triste, sem jamais voltar ao mar.
PERO VAZ DE CAMINHA
⏳ O Brasil deve a uma tentativa de roubo o relato mais detalhado sobre o seu descobrimento. Em 1496, um português chamado Jorge de Osouro foi condenado por assaltar uma igreja e ferir um padre. Recebeu punição severa: o degredo na insalubre Ilha de São Tomé, na costa ocidental da África. Quatro anos depois, Pero Vaz de Caminha, nomeado para o cargo de escrivão na feitoria de Calicute, embarcava para a Índia como passageiro da frota comandada por Pedro Álvares Cabral.
⏳ A caminho do Oriente, a esquadra de Cabral topou com o Brasil. Caminha percebeu que a descoberta era a oportunidade que esperava para ajudar Osouro, seu genro. Por iniciativa própria, escreveu uma carta pessoal ao rei dom Manuel, rogando-lhe a libertação do parente. O escrivão tomava tal liberdade por se julgar amigo do soberano, devido a serviços prestados à coroa pelo pai e o avô. Para amaciar o rei, floreou o pedido com uma descrição minuciosa da nova terra. No último parágrafo, logo acima da assinatura e da data de 1º de maio, pespegou: "Peço que, por me fazer singular mercê, mande vir da Ilha de São Tomé a Jorge de Osouro, meu genro".
⏳ Pouco se conhece da vida pregressa de Caminha. Ele teria nascido no Porto, sucedido ao pai no ofício de mestre da balança da Casa da Moeda e, eleito vereador, coubera-lhe redigir os relatórios da câmara portuense. Andava pelos 50 anos quando embarcou para Calicute.
⏳ A carta que escreveu, composta de 27 folhas manuscritas, acabou por transcender sua condição íntima e se converteu num inestimável e maravilhoso documento histórico. Com faro de repórter e talento literário, Caminha fixou o primeiro encontro dos europeus com um mundo totalmente novo. Esmiuçou os passos dados pelos portugueses nos 10 dias de permanência na terra e deixou uma série de observações sobre os hábitos e comportamentos dos tupiniquins, tudo registrado num tom entre o científico e o sensacionalista: "Ali andavam entre eles 3 ou 4 moças, bem novinhas com cabelos muito pretos e compridos pelas costas; e suas vergonhas, tão altas e tão cerradinhas e tão limpas das cabeleiras que, de as nós muito bem olharmos, não nos envergonhamos."
⏳ Os destinos de Caminha e de sua carta separam-se em maio. A missiva seguiu na nau de mantimentos, esvaziada e mandada a Lisboa para informar o rei sobre a descoberta. O missivista prosseguiu viagem para a Índia. A chegada a Calicute e a instalação da feitoria ocorreram 5 meses depois. Incomodados com a concorrência, cerca de 300 comerciantes árabes atacaram de surpresa o entreposto. Caminha foi contabilizado entre os 50 portugueses chacinados. Em julho de 1501, informado da sua morte, orei dom Manuel recordou as vívidas descrições de seu escrivão e decidiu perdoar Osouro. A carta cumpria seu objetivo primordial.
TOMÉ DE SOUSA
⏳ Os 50 habitantes da Vila do pereira esticam o olhar para as 5 naus, as duas caravelas e o bergantim que se aproximam da costa. Estão muito excitados. Por um momento, esquecem a existência quase intolerável, atormentada pela proximidade dos tupinambás e a distância da corte portuguesa. Acompanham boquiabertos o desembarque de agricultores, degredados, burocratas, jesuítas e soldados na Bahia de Todos os Santos. São ao todo 1.320 novos moradores para o vilarejo. Um deles, porém, atrai todos os olhares ao pisar a terra naquela manhã de 29/03/1549.
⏳ O centro das atenções é o sisudo Tomé de Sousa, investido pelo rei dom João III no cargo de primeiro governador-geral do Brasil. Com poderes de monarca, vem para sacudir a letargia da colônia. É o protagonista de uma reviravolta política: o fracasso do sistema de capitanias hereditárias, pelo qual o Brasil fora fatiado e entregue a 15 grandes donatários, estimulou a corte a colocar nas mãos de um único homem toda a administração. Selecionou para a função um militar que se destacara pela probidade, prudência e tino político em campanhas no Marrocos e na Índia.
⏳ Acomodado numa palhoça apertada, Tomé de Sousa apressa-se em chamar Diogo Álvares Corrêa, o Caramuru. Vítima de um naufrágio, Caramuru fora capturado por uma tribo 40 anos antes. Viu todos companheiros serem devorados pelos tupinambás. Foi o único poupado, devido à magreza extrema. Vivendo entre os nativos, casou com a filha do cacique e tornou-se um grande conhecedor da região.
⏳ - Prepare-se. Vamos escolher o terreno para a capital - anuncia o governador.
⏳ Sob a orientação de Caramuru, Tomé de Sousa veleja para o interior da baía, até deparar com planalto de onde se delineiam o mar e a terra. É aqui, pensa. Manda levantar uma paliçada e inicia a construção. Várias vezes, deixa seus afazeres burocráticos para socar o barro ou carregar no ombro pesados saibros de madeira. No dia 1º de novembro, declara oficialmente instalada a cidade de Salvador da Bahia.
⏳ Dotado de capital, o território já pode ser governado. Tomé de Sousa organiza a defesa, inspeciona as diversas capitanias, pune governantes relapsos, introduz o gado no Brasil. Mas o governador sente falta dos luxos da corte e da família. A cada carta remetida, lembra ao rei de que seu mandato é de 3 anos. Não pretende ficar mais. Manuel da Nóbrega, superior dos jesuítas, não se conforma:
- De quantos lá vieram nenhum tem amor a esta terra senão ele - escreve ao soberano.
⏳ O substituto chega em 1553. Na hora de despedir-se do Brasil, Tomé surpreende-se com a emoção de que é tomado:
- Vede isto, meirinho? Verdade é que eu desejava muito, e me crescia a água na boca quando cuidava em ir para Portugal. Mas não sei porque agora se me seca a boca de tal modo que quero cuspir e não posso - desabafa a um funcionário.
PADRE ANCHIETA
⏳ O jesuíta Manuel da Nóbrega exaspera-se. Dispõe de apenas 5 auxiliares para a missão de .... (em construção)